quarta-feira, 26 de junho de 2013

Não me venham com xurumelas

Não me venham com xurumelas de vândalos, de passeata pacífica, de bala de borracha. Também não me falem que o problema está na Dilma, no PT ou até no Feliciano (embora este tenha muitos problemas). Não quero escutar o hino nacional, pôr a mão no peito ou me tornar patriota. Quero ir ao que interessa.
E o que me interessa, de verdade, nessas manifestações? É que nelas correm VIDA. Sim, vida, simples assim. Aquela vida que não encontramos mais no nosso clean way of life. Trabalhar, comprar, comer, dormir. Comprar, comprar. Trabalhar, trabalhar. Cada um na sua bolha, na sua pequena comunidade de um. Todos povoados de solidão.
Mas daí vem 300 mil, 1 milhão, todos juntos. Existe um coletivo, vejam só! E a rua... Ah, a rua que era simples e rápido local de passagem, pulsa, vibra, ganha vida. A Presidente Vargas sai do seu redoma “trabalhar-comprar”, verdadeiro símbolo de um capitalismo inútil, e vira palco de outra coisa.
Mas palco de quê? De verdade, ninguém sabe ainda. Queremos algo que ainda não existe. E a maior prova disso é o antipartidarismo do negócio. Não se fala mais em esquerda, em direita, pois não faz mais sentido pensar assim. O que vivemos é uma crise do próprio modelo representacional, e isso a nível global. Outros movimentos estão aí para testemunhar: Occupy, manifestações decorrentes da crise europeia, manifestações na Turquia. A crise é grande, meus amigos. Já percebemos que esse modelo capitalista neoliberal, tão bom pra alguns e tão ruim pra quase todos, não dura mais muito tempo. Já vimos que esse modelo do “político que nos representa lááá no alto” é balela, pois o que ele representa de fato são as empreiteiras que o elegeram.
Nesse grande momento de crise, a confusão é enorme, como não poderia deixar de ser. Uns não querem parar de ir às ruas, mesmo sem saber direito o que reivindicar; são tantas coisas afinal! Outros pedem mais seriedade: vamos parar de tirar fotos de manifestações pro instagram, de piscar as luzes, e vamos nos organizar (como se na política não coubesse alegria!). Todos criticam o modelo, porém é a ele que recorremos ao pedirmos mais saúde, educação, CPI do ônibus ou não à PEC 37. É como se questionássemos a autoridade dos nossos pais para depois pedirmos a eles o carinho e o cuidado que nos são de direito. É claro que sou a favor de todas essas reivindicações, mas o que não podemos é perder de vista que o que acontece agora é muito maior do que uma CPI ou uma PEC. Não são 20 centavos; é o capital. Não são os políticos; é Brasília. Não é a esquerda ou a direita; é a política. O momento é rico, fervilhante demais. Mas é preciso cautela.
Prudência! O Brasil está de molho, em banho maria. Não se sabe ainda o que sairá desse forno. Pode sair algo delicioso, mas a cagada também pode ser grande. A mídia nos sonda pelos lados e pensa na melhor forma de dar o bote. A polícia faz a varredura de frente, no pior estilo fascista e terrorista. Os políticos nos olham de cima, arquitetando manobras sabe-se lá se ainda possíveis. E o fascista em cada um de nós... Ah, aí está o mais perigoso! Alguns quebram tudo, outros batem em quem quebra tudo, outros só sentem medo. Ao redor, polícia, polícia, polícia. E no fundo o eco do hino nacional, orgulho de ser brasileiro. Percebem o perigo? A ditadura, afinal, não faz tanto tempo.
Uma figura nisso tudo me incomoda particularmente: o tão temido vândalo. Quem é ele, afinal? A mídia tem colocado as coisas mais ou menos assim: há uma maioria pacífica de manifestantes, mas  há também uma minoria de vândalos, que só vem a estragar os movimentos. Como se os vândalos fossem algo de primitivo, de selvagem, e portanto destituídos de qualquer capacidade de se manifestar contra a atual ordem das coisas. Como se quebrar uma agência bancária ou um pardal de velocidade não fosse um ato político! Longe de mim defender a destruição do nosso patrimônio, porém o que não dá pra aceitar é um molde pronto do que seria uma manifestação ideal: todos de branco, gritando “sem violência”, numa linda passeata clean pela cidade. Mas peraí, onde está a vida nessa manifestação “à la rede Globo”? Cadê a raiva, que também nos é de direito? Ao contrário do que a mídia prega, o “vândalo” não está tão distante assim do que nós mesmos sentimos e reivindicamos. Ele está aí para nos lembrar de toda a raiva que insistimos em esconder. No final das contas, ninguém sabe muito bem o que fazer com ela.
Fico pensando em como estará nosso país daqui a 1 ou 2 anos. De verdade, não sei se a longo prazo os ecos se farão grandes o suficiente. No entanto, mesmo se não se fizerem, o importante é que é o Brasil quem denuncia agora ao mundo todo a falência do nosso modelo capitalista neoliberal. Talvez os nossos políticos não escutem, mas o mundo está ouvindo. Talvez os ecos da nossa manifestação despontem daqui a pouco em algum país longínquo, sob a forma de novas manifestações e crises.
De tantas dúvidas e confusões, uma coisa ao menos é certa: a semente foi plantada. Frágil, o que ela precisa agora é de muito cuidado: vamos regá-la com carinho e amá-la com toda a intensidade e voracidade que cabe num amor. Os espinhos já começam a aparecer, mas a flor... Ah, é pela flor que ansiamos um dia.


Fontes e referências:
- Facebook e as milhares de janelas que se abrem a partir dele.
- Vagabundos Iluminados

Foto do Pedro Chaves